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‘N?o é muito verdade que a nossa economia é fechada’, diz Rubens Ricupero

Nos mais de 200 anos de rela??es comerciais entre Brasil e Estados Unidos,?oémuitoverdadequeanossaeconomiaéjogo do lara o tarifa?o que Donald Trump quer impor aos produtos brasileiros é o momento mais delicado dessa parceria, avalia o diplomata e ex-ministro da Fazenda, Rubens Ricupero. Para o também ex-embaixador do Brasil em Washington, a alíquota de 50%, que vai inviabilizar as crescentes exporta??es da indústria nacional para o mercado americano, “trata-se de um embargo”. Quais as consequências do tarifa?o para a indústria brasileira e outros setores, como o agro? Na maior parte dos casos, vai se tornar inviável a exporta??o, já que 50% é uma tarifa muito alta. Pode ser que um ou outro exportador consiga encaminhar as vendas por outro caminho. Empresas que têm fábricas em outros países poder?o exportar n?o a partir do Brasil. Mas eu n?o sei se isso levaria a uma outra medida por parte do governo americano. A Embraer classificou as tarifas como um embargo. O senhor concorda? Que estratégia de negocia??o deve ser adotada? é um embargo. Para evitar ou atenuar essas tarifas, teria que ser através do interesse de setores da economia americana que se focam no Brasil. Eles v?o sair perdendo. Quem perde mais é o país que tem superávit. A Embraer vende nos Estados Unidos, mas compra muitos componentes eletr?nicos por lá. Esses setores podem se mobilizar. Houve manifesta??o da American Chamber of Commerce, nos Estados Unidos, dizendo que existem mais de 6 mil empresas, que trabalham com produtos brasileiros. A esperan?a é que esses setores possam ser ouvidos pelo presidente Trump. Será mais efetivo do que os canais diplomáticos. Com as tarifas, Trump quer reindustrializar os EUA? Eu n?o sei. N?o dá para entrar na subjetividade. N?o sei se ele é um negociador, um sociopata. Só Deus sabe. Como o Brasil, que tem uma economia relativamente fechada, taxa os produtos americanos? Todo mundo diz isso, que a nossa economia é fechada, mas n?o é muito verdade. A Confedera??o Nacional da Indústria mostrou há pouco tempo que o nível efetivo de tarifa que o Brasil vem cobrando aos Estados Unidos é de menos de 3%. A tarifa teórica é 9%. Mas como há muitas exce??es na hora de importar, o efetivo tem sido menos de 3%. é muito baixo. Todo mundo acha que nós somos os vil?es, e eles os heróis. Eu fui embaixador lá, tentei negociar suco de laranja, eles nunca se interessaram. 2 de 2 "N?o sei se ele é um negociador, um sociopata. Só Deus sabe", diz Ricupero sobre Trump — Foto: Ana Paula Paiva/Valor "N?o sei se ele é um negociador, um sociopata. Só Deus sabe", diz Ricupero sobre Trump — Foto: Ana Paula Paiva/Valor O Brasil já tentou negociar as tarifas de etanol? A tarifa que o Brasil cobra sobre o etanol americano é 18%. O Brasil fez duas propostas para reduzir a tarifa em troca de uma redu??o da tarifa do suco de laranja concentrado (os EUA cobram US$ 415 por tonelada de suco brasileiro). Eles n?o aceitaram. Depois propusemos um acesso maior ao mercado de a?úcar. Eles também n?o aceitaram. é fácil, como muita gente faz, botar a culpa no governo. Em mar?o, o governo mandou uma miss?o com representantes do Itamaraty. Em 16 de maio, o Brasil mandou uma carta cobrando as respostas de propostas que havia feito. E eles n?o responderam. O senhor avalia que o tarifa?o de Trump é o momento mais delicado da rela??o comercial entre dois parceiros t?o antigos como EUA e Brasil? N?o há dúvida. Houve um momento antes do golpe de 1964 em que o governo americano participou da conspira??o. Mas era de uma maneira clandestina. Agora é público, é agressivo, com manifesta??es repetidas. Eu acho muito grave. O prazo para negocia??o é muito curto, mas há chance de reverter as tarifas? O prazo para a entrada em vigor das tarifas (1o de agosto) é muito pequeno. E além disso, o anúncio da abertura da investiga??o pela se??o 301 (parte da Lei de Comércio dos EUA, que permite apura??es sobre práticas que prejudicariam o comércio internacional dos EUA) a meu ver, é o indício de que a decis?o já está tomada. Eles se deram conta que a aplica??o de tarifa pelo motivo político n?o seria legal. E eles ent?o resolveram dar um simulacro de processo legal. O procedimento da se??o 301 é um tribunal em que eles s?o acusadores, juízes e executores. Ent?o a chance de se defender é mínima. Qual a sua avalia??o sobre a inclus?o, na carta enviada pelo presidente Trump ao governo brasileiro, de uma possível persegui??o ao ex-presidente Bolsonaro? Isso é o que torna o caso brasileiro único, grave. Nos outros casos, com o México, Canadá, Uni?o Europeia, n?o existe esse elemento de política interna. Porque é uma interferência aberta no judiciário. Inclusive, a mensagem veio para o destinatário errado. O Lula n?o tem autoridade nenhuma nessa quest?o. O senhor acha que há chances de a China ampliar os la?os comerciais com o Brasil? No momento, o relacionamento comercial e econ?mico com a China já é muito bom. Só que, infelizmente, em rela??o a produtos de maior valor agregado, a China n?o representa uma alternativa. A China compra muitas matérias-primas, como soja, algod?o, petróleo bruto, minério de ferro. E eu n?o a vejo fazendo esse gesto (de comprar produtos industriais), porque eles s?o os grandes exportadores desses itens para o mundo. Esse movimento de tarifas impostas pelos EUA é um retrocesso na globaliza??o? Na rela??o do Brasil com os EUA é um retrocesso. Nenhum outro país, seja a China, o Jap?o, a Coreia do Sul, e o próprio Brasil, fez o que ele está fazendo. O nosso comércio com todos os outros países continua seguindo as regras da Organiza??o Mundial do Comércio. O retrocesso é em tudo que se refere aos Estados Unidos. é considerável, mas n?o é com o mundo inteiro. No Brasil, a indústria perdeu peso na composi??o do PIB. Como o senhor vê as iniciativas do governo para a reindustrializa??o? N?o vejo a mais remota possibilidade de isso acontecer no momento. Prevalece no Brasil um conjunto de fatores que s?o muito desfavoráveis à indústria. Um deles é o custo de capital, que agora piorou, com a taxa Selic a 15%. Outro fator é a instabilidade cambial. O problema do dólar n?o é se ele é alto ou baixo, é ele oscilar muito. E tem oscilado. O terceiro fator é a burocratiza??o, a falta de eficiência. De dez anos pra cá, n?o vi melhoria nenhuma nessas áreas. N?o sei por que as pessoas falam que está havendo possibilidade (de reindustrializar). Esse governo é t?o ruim quanto os anteriores. Mas, por exemplo, marcas chinesas de veículos est?o implantando fábricas no país para montar veículos... Isso é positivo. Mas é uma decis?o de um investidor estrangeiro. E ele visa o mercado brasileiro e latino-americano. As perspectivas de industrializa??o s?o limitadas. Os investidores brasileiros n?o investem, porque com uma taxa Selic de 15% quem é que vai investir em indústria? As perspectivas que eu vejo s?o limitadas a exemplos como esse da China, que n?o s?o muitos. Mas o senhor acha que o país oferece oportunidades em setores que est?o emergindo, por exemplo, novas fontes de energia limpa? Pode ser que no futuro exista uma oportunidade na transi??o da energia, à medida que o problema climático se torne grave. E se o Brasil conseguir aproveitar o acesso a fontes limpas e renováveis, n?o só a eletricidade hídrica, mas também solar, eólica, da biomassa, a produ??o de hidrogênio líquido, isso pode facilitar. Por exemplo, a inteligência artificial vai depender maci?amente de energia elétrica barata. Para isso, é preciso que o Brasil avance nesse caminho. E até agora, como você sabe, há muitos anúncios de hidrogênio, mas pouca coisa saiu do papel. Mesmo tendo perdido participa??o na economia, a indústria brasileira continua com base diversificada? Ela é uma indústria diversificada. Ela sobretudo se ampara no mercado doméstico. é isso que tem mantido essa indústria. E há alguns setores que se destacam. Temos empresas como a Weg, a Tupy, a Embraer. Eu acho que a gente tem que estudar esses casos, e tentar multiplicar aqueles que se revelaram eficazes. E esses segmentos deveriam receber estímulos do BNDES, através de investimentos. Este conteúdo faz parte do especial em comemora??o pelo centenário do jornal. Acesse a página O GLOBO 100 anos para ver mais reportagens. 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